sexta-feira, 22 de julho de 2016

Mural de Nuno Saraiva vandalizado na Mouraria



A infeliz acção de colocar tags sobre a pintura mural de Nuno Saraiva, e sobretudo os comentários e diálogos posteriores quase exclusivamente orientados na direcção da sua reprovação, levam-me à escrita impulsiva, não académica, sobretudo para arrumar as minhas ideias (talvez de forma partilhada). E desengane-se o leitor pois eu não tenho gosto nem talento para a escrita, a minha forma de expressão “natural” é o desenho, infelizmente já tão pouco posto em prática (outro tópico ainda mais profundo).

Sei que a maior parte das pessoas desconhece as origens e motivações do que tem vindo a cobrir inúmeras paredes com murais da designada Arte Urbana. É normal, não é claro e tornou-se cada vez menos claro com o passar do tempo, pois foram-se acumulando valores inesperados e de maior relevo inerentes aos trabalhos de grande qualidade que foram aparecendo.

A relação da Galeria de Arte Urbana com os tags, que estão no âmago do graffiti, é direta, especificamente e originalmente com os tags do Bairro Alto, porem não está resolvida.

Ou seja, o tag que é a forma de graffiti que mais prevalece nas nossas cidades, competindo com muitas outras formas de comunicação, motivou o aparecimento do projeto do Município de Lisboa na perspectiva do dialogo com os seus executantes, é claro dialogando com aqueles que estiveram e estão disponíveis para esse dialogo em determinados momentos, em prol de determinadas acções.
Outras acções especificamente como os tags criminalizam-se, e são alvo de investimentos milionários para a sua remoção e manutenção dos mesmos for a das ruas da cidade, diga-se de passagem com resultados discutíveis.

Certo é que se criaram condições (e bem) para a proliferação da existência de murais de muitas autorias que em nada se relacionam com o propósito inicial de relacionamento com a tensão gerada pelo tag nas ruas de Lisboa. O problema surge quando estes murais são (mal) interpretados como parte do problema e não possível solução e caminho para o autor do respetivo tag.

Muitas vezes os caminhos estão vedados pela (crescente) institucionalização do fenómeno de pintura mural, gerando discursos ambivalentes de sucesso dos que no passado fizeram tags e que hoje são reconhecidos. É evidente que cada caso é um caso, cada autor é diferente e em constante mutação conforme o estado de espírito, as generalizações são portanto arriscadas, e caiem no âmbito das ciências sociais. Do ponto de vista plástico o tag em abstracto é fruto de profundos debates e considerações quer pelo design ou pela arte como áreas profissionais de actividade. Estou convicto (e em investigação própria averiguo) que estamos perante práticas que ecoam fundo na relação do Homem com o território.

Este caso concreto vem relembrar a complexidade de tudo isto, a meu ver enfatizada pelo facto de Nuno Saraiva ter sido o autor, entre muitas outras coisas, da capa do mítico álbum dos Mata Ratos, representativa de uma atitude profundamente punk e contra-sistema, infelizmente não reconhecida pelos autores dos tags. Por fim outra questão relevante parece-me ser a organização e o cuidado coletivo no sentido da preservação do trabalho, diria que mais elementos patrimoniais mereciam tal atenção, pois até porque, a bem ou a mal, tags existem muitos e por todo o lado.


ligações:
https://www.publico.pt/local/noticia/mural-de-nuno-saraiva-vandalizado-na-mouraria-1739047


no FB de Nuno:

21/07/16
Normalmente um artista não vandaliza o trabalho de outro artista. A não ser que seja um quadrúpede acéfalo filho de uma mula. Obrigadinho ao anormal.






21/07/16
Quero agradecer a todos os que aqui deixaram palavras solidárias, de revolta, algumas até demasiado chateadas. Obrigado. Li todos os comentários, um a um. Diz aqui o meu amigo André Ruivo que este género (street art) é efémero. Tem toda a razão e sempre achei que este dia iria chegar, era previsível, o lugar é pouco iluminado à noite, pouco habitado. Às catástrofes naturais que ameaçam um trabalho destes devemos sempre incluír o ataque de terceiros.
Alerta-me por outro canal de mensagem a Lara Luís: "- lei das ruas nuno". Tem também a sua razão, mas na minha percepção de "lei" considero isto um atentado, que é descaradamente reivindicado (assinado com as patas, como diria o Ramalho Ortigão), e que terá uma retaliação: vou pegar nas tintas e restaurar a ilustração.
Quando aceitei o convite da JFSMM não me limitei a desenhar, investi muito tempo em investigar uma ideia fixa: estava determinado em estudar a História dos cavaleiros da posta real do séc XIX que ali chegavam e dali partiam para distribuirem correspondencia pelo nosso país. Não posso por isso deixar isto assim, transporcado.
Aos teóricos que estudam o fenómeno TAGs: tenho cá para mim que os "Tagas", estas criaturas artilhadas de sprays da Montana e outras marcas menos baratas, seguem uma lógica territorial de guerrilha mas sem um contexto crítico ou social, em defesa de nenhum valor, a não ser em defesa de um narcisismo boçal que insistem de apelidar de acção anárquica - que nem é pouco nem mais ou menos anárquica. Anarquia (lá vem a História outra vez) nasce à volta de 1870 a partir de um grupo revolucionário radical da Associação Internacional dos Trabalhadores. Trabalhadores. Aposto a minha mão direita em como nunca existiu ou existirá no planeta um Trabalhador que faça TAGS. São todos uma cambada de betinhos que resolveram, de quando em vez, fugir de casa dos papás.
Por último queria explicar-vos porque chamei de "artista" esta criatura. Foi pura e simplesmente para a ofender. Para a fazer agoniar. Quem faz isto não quer ser artista.









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